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domingo, 4 de janeiro de 2009

Da Décima Segunda Noite

Desde Shakespeare, o Dia de Reis, celebrado pelas tradições católicas como o dia em que os reis magos foram visitar Jesus, é cenário para obras literárias. Talvez a mais conhecida seja a do próprio, "Noite de Reis". Eu, que gosto de Shakespeare mais no palco que no papel, não tinha saído dos clássicos "Romeu e Julieta", "Hamlet" e "Sonho de uma Noite de Verão" e nem sequer sabia da existência de uma obra dele chamada "Noite de Reis".
Isso até eu ver "Shakespeare Apaixonado", há uns 5 anos atrás. O filme fala sobre a paixão de Shakespeare por Viola, uma mulher que se veste de homem pra poder atuar em uma peça que ele estava escrevendo, "Romeu e Julieta". Então, o próprio amor de Shakespeare por Viola inspira os diálogos mais românticos de Romeu e Julieta. O filme acaba (vou contar, apostando que todo mundo já viu. Mas, possível leitor, se você ainda não o fez, aqui vai uma dica: ve-ja!) com Shakespeare escrevendo uma peça pra apresentar à corte inglesa, baseada no seu romance com Viola, "Noite de Reis", em que a protagonista é uma moça (com o mesmo nome da amada de "Will") que estava em um navio que naufragou. É tudo que o filme mostra sobre a obra. Eu não tinha certeza se "Noite de Reis" era, de fato, uma peça de Shakespeare.
Mês passado, me emprestaram um livro do Luiz Fernando Veríssimo, "A décima segunda noite" (assim como o título original de Shakespeare, "Twelfth Night") que é de uma coleção que remonta as obras de W.S. A capa do livro tem a foto de um papagaio e isso me deixou com um pé atrás. Mas Veríssimo e Shakespeare obviamente fariam uma boa combinação, apesar de serem quase extremos opostos. O papagaio é o narrador pedante, metido a entendido de literatura estrangeira, que só sabe falar sobre as teorias de Flaubert e fica tagarelando sobre besteira ao invés de fazer o seu papel e apenas narrar. Além disso, como a criatura não pode escrever (Veríssimo não viajou tanto, pelo menos), ele gravava. Então, a passagem de capítulos era uma tortura, porque o papagaio sempre vinha com um "Ops! A fita tá acabando..." Possível leitor, quão tosco é botar um bicho pra narrar uma história?! Eu te digo: MUITO tosco. O papagaio começou contando sobre uma mulher, Violeta, que após um naufrágio, perdeu o irmão gêmeo Sebastião. PERA! É obvio que o Veríssimo traduziu os nomes. Viola e Sebastian, irmãos gêmeos. Déja vu, possível leitor. Foi aí que eu me dei conta que a comédia romântica "Ela é o cara" nada mais é do que mais uma adaptação da obra shakespeareana. (Possível leitor, caso você não tenha visto esse filme - recomendo também- conta a história de uma menina, Viola, que tem de se vestir de homem e finge ser o irmão, Sebastian).
O palco de todas as três histórias, "Noite de Reis", "Ela é o cara" e A Décima Segunda Noite" é um lugar chamado Illyria. Pra Shakespeare, um reino; no filme, é uma escola; e pra Veríssimo, um salão de beleza. (Já aí dá pra se ter uma noção melhor do quanto o livro é tosco) As três usam o triângulo Olivia-Orsino-Viola/Cesário (Sebastian, no filme e César, pra Veríssimo), em que Olivia ama Cesário, que é Viola, que ama Orsino, que ama Olivia. Nas três histórias, Viola deve mandar as declarações de Orsino à Olivia, porque Cesário (ou Sebastian ou César) acaba ficando muito amigo de Orsino.
O que acontece, possível leitor, é que todo o potencial de L. F. Veríssimo tava guardadinho quando ele escreveu "A Décima Segunda Noite". Ele conseguiu estragar toda a trama, querendo dar um toque brasileiro, com um estereótipo absurdamente exagerado na pele dos personagens. Na versão dele, Violeta é uma imigrante, que vai pra França tentar ganhar dinheiro assim como a maioria dos personagens. Orsino é francês e dono do salão de beleza, que tem uma decoração brasileira, com direito a papagaio e tudo (eis nosso narrador). O Feste de Shakespeare acabou virando o Festinha de Veríssimo, que apelou pra tradução fajuta no nome dos personagens, pra parecer mais brasileiro ainda.
Luiz Fernando Veríssimo desaponta qualquer um que tenha lido seus contos e crônicas, que são absolutamente admiráveis. O papel do escritor é também ousar, afinal, o Modernismo tá aí que não deixa dúvidas do que a irreverência e a inovação, se bem empregadas, podem fazer com um escritor. Entretanto, Veríssimo tentou fingir ousadia e ficou preso no clichê mesmo.

E isso me leva de volta a "O Jogo do Anjo", amém.

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